O Acórdão 1.875/21 do TCU e os parâmetros para Pesquisas de Preços na Lei 14.133/21
Por Cristiana Fortini e Renila Bragagnoli
*Com a contribuição de Oder Ferreira Neto.
A pesquisa de preços é um dos principais instrumentos para o exame e julgamento objetivo das propostas apresentadas nas licitações públicas, sendo de amplo entendimento que deve ser realizada de forma ampla e idônea. Sua principal função, ainda nas lições de Ronny Lopes, é garantir que o poder público identifique um parâmetro para o valor médio de mercado em relação a um bem ou serviço, sendo que o efetivo valor da contratação, na maioria das vezes, apenas será identificado com o resultado do certame licitatório, no qual as nuances específicas da pretensão contratual, as condições contemporâneas do mercado e o respectivo procedimento contribuirão para a apresentação de suas propostas.
Para o Tribunal de Contas da União, a pesquisa de preços é, ainda, o procedimento prévio e indispensável à verificação de existência de recursos suficientes para cobrir despesas decorrentes de contratação pública. Sobre o tema, no último dia 4 de agosto o Plenário do Tribunal de Contas da União, no âmbito do Acórdão nº 1.875/2021, de relatoria do ministro Raimundo Carreiro, novamente afirmou que as pesquisas de preços para aquisição de bens e contratação de serviços em geral devem ser baseadas em uma “cesta de preços”, tendo preferência os preços públicos, oriundos de outros certames, além de alertar que, a pesquisa de preços feita exclusivamente junto a fornecedores, deve ser utilizada em último caso, na extrema ausência de preços públicos ou cestas de preços referenciais.
No citado julgado, a pesquisa de preços feita exclusivamente junto a fornecedores foi, portanto, objeto de críticas. Uma vez mais, o TCU afirmou a fragilidade da pesquisa de preços suportada apenas com orçamentos fornecidos pelo mercado, porque os fornecedores podem inflar os valores com vistas a majorar o valor de referência que será usado para avaliação das propostas, de maneira que deve ser a exceção, especialmente em serviços, pois, via de regra, incorpora a variação para maior, o que pode gerar o risco de que a administração contrate com preços elevados.
Há algum tempo o TCU abandonou seu inicial entendimento, construído diante da ausência de regras detalhadas na Lei 8.666/93, que se apoiava na pesquisa junto a fornecedores. O Plenário defendia, em inúmeras ocasiões, como se vê no Acórdão 2.136/2006, a realização da pesquisa de preços baseada de, no mínimo, três orçamentos de fornecedores distintos, sob pena de repetição do certame.
As diretrizes extraídas dos entendimentos do TCU, que por sua vez foram refletidas nas Instruções Normativas 5/14 (revogada) e 73/20, supriram as lacunas legais uma vez que as Leis 8.666/93 e 10.520/02, a despeito de exigirem como anexo do edital orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários (Lei 8.666/93, artigo 7º, §2º, inciso II e artigo 40, §2º, inciso II, e Lei 10.520/02, artigo 3º, inciso III), não estabeleceram parâmetros objetivos para a confecção das pesquisas de preços.
A nova Lei de Licitações e Contratos posiciona-se de modo diverso e direciona o procedimento relativo à pesquisa de preços, dividindo-o segundo o objeto do contrato. Assim, os dois parágrafos iniciais do artigo 23 da Lei 14.133/21 abordam respectivamente as pesquisas relativas a bens e serviços e a obras e serviços de engenharia.
Importante registar que, antes mesmo da nova Lei de Licitações trazer disposições sobre pesquisa de preços, a Lei nº 13.303, ainda em 2016, já absorvia no texto legal, as disposições da então IN 05/2014, dispondo de parâmetros de orçamentação no seu artigo 31.
De acordo com a nova norma, o valor estimado no processo licitatório para aquisição de bens e serviços em geral será definido com base no melhor preço aferido, por meio da utilização dos parâmetros que já se conhece porque constantes da IN 73/20, ligeiramente modificados, com a adição da pesquisa no Portal Nacional de Contratações Públicas e na base nacional de notas fiscais eletrônicas. Uma vez mais se percebe que o legislador nacional se inspira na realidade normativa federal para ditar a forma de atuação dos entes subnacionais quando e se estiverem utilizando verbas federais. Na hipótese de se empregarem recursos que não os da União, abre-se espaço para a utilização de outros sistemas de custos adotados pelo respectivo ente federativo (artigo 23, §3º).
O propósito da pesquisa de preços, segundo prevê o caput do artigo 23, é conhecer o valor real de mercado, informação fundamental para a avaliação das propostas bem como para se concluir pela viabilidade econômica ou não da contratação. Logo, ainda que o §1º do artigo 23 pareça sugerir que a consulta a uma das fontes arroladas nos seus incisos seja bastante, ao dizer que os parâmetros “podem ser adotados de forma cumulativa ou não”, a compreensão sistêmica da lei não autorizaria tal conclusão. Impõe-se a consulta mais larga que reflita informações plurais, oriundas de fontes igualmente múltiplas, para que assim seja possível entender qual o valor real do bem ou serviço.
Dessa forma, pela leitura sistemática da legislação vigente, a deflagração de procedimentos licitatórios exige estimativa de preços a partir de fontes de pesquisa que sejam capazes de representar o mercado, sendo extremamente necessário que a Administração alcance o maior número de elementos, referências e dados possíveis para apurar o valor estimado das suas contratações.
Nas palavras de Marçal Justen Filho, o fundamental é que a Administração Pública saiba, efetivamente, o quanto custa, no mercado, o objeto a ser licitado. E, nesse sentido, quanto mais elementos e informações, mais fidedigno o orçamento estimado pela Administração Pública.
Daí afirmarmos que a Lei 14.133/21 não se afasta (embora obviamente pudesse porque a IN não lhe é obviamente superior) do perfil da IN 73/20 que apregoa a verificação em fontes distintas. Mas a lei não prescreve a quantidade de parâmetros a serem investigados e a metodologia (ordem de preferência e alusão à procura da menor/media ou mediana), enquanto a IN 73/20 direciona a pesquisa calcada em três ou mais preços e faz alusão às diversas metodologias a serem utilizadas (artigo 6º).
A Lei 14.133/21 não prevê preferência na utilização dos parâmetros. Assim não há uma ordem de buscas que deve pautar a atuação nacional. Mas seu parágrafo 1º faz alusão ao regulamento, o que nos remete à IN 65/21, que impõe prioridade entre as fontes de pesquisa, para os que a ela se sujeitam. O §1º do artigo 5º diz que deverão ser priorizados os parâmetros estabelecidos nos incisos I e II, devendo, em caso de impossibilidade, apresentar justificativa nos autos.
A Lei 14.133/21 mantém a possibilidade da pesquisa direta junto a fornecedores. Embora se trate de um método criticado pelo TCU, ela compõe a lista de fontes possíveis. O legislador não a posiciona de pejorativa, inclusive porque não estabelece ordem preferencial entre os parâmetros.
Como pontuado por Zockun, “pela redação do dispositivo parece não haver hierarquia entre os parâmetros fornecidos pela lei, sendo todos passíveis de utilização, sem preferência de um em detrimento do outro. Entretanto, a jurisprudência da Corte de Contas e a própria regulamentação inferior estabelecem certa primazia”.
A nova lei exige que a consulta ocorra junto a no mínimo três fornecedores, mediante solicitação formal de cotação, desde que seja apresentada justificativa da escolha desses fornecedores e que não tenham sido obtidos os orçamentos com mais de seis meses de antecedência da data de divulgação do edital. Esses os requisitos mencionados na lei, sempre recordando que outros podem ser adicionados, como de fato já fazia a IN 73/20.
Cumpre ressaltar que, embora a Lei 14.133/21 aborde o tema da pesquisa de preços, e embora ainda esteja em vigor a IN 73/20 para os contratos baseados nas leis antigas (Lei 8.666/93 e 10.520/02), houve a publicação da IN 65/2021, que regulamenta a pesquisa de preços nos processos regidos pela nova Lei de Licitações e Contratos.
A citada IN 65/21 não impõe a explicação sobre a escolha subjetiva dos fornecedores consultados, assim como também não o faz a IN 73/20. Mas a IN 65/21 detalha as condições para a pesquisa, determinando: 1) que seja oferecido prazo de resposta compatível com a complexidade do objeto a ser licitado; 2) que as propostas tenham no mínimo: a) descrição do objeto, valor unitário e total; b) número do Cadastro de Pessoa Física (CPF) ou do Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) do proponente; c) endereços físico e eletrônico e telefone de contato; d) data de emissão, e) nome completo e identificação do responsável. A isso se soma o dever de informar aos fornecedores as características da contratação com vistas à melhor caracterização das condições comerciais praticadas para o objeto a ser contratado e, finalmente que se registre, nos autos da contratação correspondente, a relação de fornecedores que foram consultados e não enviaram propostas.
De acordo com Renila Lacerda Bragagnoli, a nóvel regulamentação apresentou requisitos mais rígidos para moldar a pesquisa direta com fornecedores, como forma de desincentivar o uso indiscriminado dessa prática, caminhando a Instrução Normativa em harmonia com o já sedimentado entendimento do Tribunal de Contas da União segundo o qual “há uma crença disseminada entre os gestores públicos de que basta haver três propostas de fornecedores para que uma estimativa de preço seja considerada válida”, devendo, portanto, o orçamento “ser elaborado com base em uma cesta de preços aceitáveis”.
Nessa esteira, “a pesquisa com três fornecedores é o método que exige justificativas mais contundentes. A própria escolha dos fornecedores eleitos deve ser explanada, de modo a prestigiar o princípio da impessoalidade administrativa no processo de contratação”, além de ser necessário uma análise crítica sobre cada preço apresentado que irá compor o processo licitatório, utilizando a metodologia que melhor reflete o mercado da contratação.
Por fim, a par de tudo já exposto, muito embora se reconheça a legalidade da pesquisa de preço diretamente com fornecedores, tal prática está ficando cada vez mais adstrita a situações em que Administração não tem alternativas, conforme assentado no Acórdão 1.875/2021 aqui comentado.
*Cristiana Fortini é advogada, professora da Universidade Federal de Minas Gerais, ex-controladora-geral e ex-procuradora-geral-adjunta de Belo Horizonte, especialista (pós-graduação) em mediação, conciliação e arbitragem, visiting scholar na George Washington University, professora visitante na Universidade de Pisa, doutora em Direito Administrativo e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA).
*Renila Bragagnoli é mestranda em Direito Administrativo e Administração Pública pela Universidade de Buenos Aires (UBA), especializada em Políticas Públicas, Gestão e Controle da Administração pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP/DF), advogada de carreira empresa pública federal desde 2009, gerente da Procuradoria Jurídica da EPL, professora, autora e palestrante.
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